terça-feira, 20 de agosto de 2013

O AMANTE UNIVERSITÁRIO


Vi algumas fotos e achei demais.

Depois, li alguns comentários e não acreditei.

Era aquilo mesmo? Estavam criticando a Nanda Costa porque ela não depilou tudo para sair na Playboy?

Espantoso ver que não era um ou outro descendo a lenha. Era muita gente, sobretudo nas redes sociais. Até na página da moça no Facebook.

Essa questão escancara a existência de uma geração de nojentinhos que está surgindo por aí. Uma turma que pede sempre uma versão café-com-leite, light, pasteurizada das coisas; uma versão universitária (mais detalhes aqui), feita para quem não gosta de algo, mas quer fazer parecer que gosta.

Eis que a aversão aos pelos da atriz nos mostra o surgimento do sexo universitário. Que é muito parecido com o de verdade, só que sem esses inconvenientes considerados nojentos pelos enjoadinhos de plantão, como os pelos, a saliva, o suor, e outras secreções. (se você torceu o nariz quando leu ‘secreções’, cuidado)

Esses enjoadinhos do sexo universitário são comparáveis às pessoas que vão pro estádio, mas não gostam do aperto da arquibancada. Vão para ficar em camarote. Senão, nem vão.

Não querem ver erro de passe nem chute torto, os nossos queridos torcedores universitários.

É a turma que vai só pra ver o Neymar; não quer o William José ou o Wesley.

Resumindo: não gostam de futebol. Admiram o show do campeonato europeu transmitido pela TV – aquele ‘espetáculo’ gringo de 0 a 0 – mas dispensam o golaço da Série B.

Não admitem a coisa como ela é, somente do jeito que a mamãe disse que era.

Não querem saber do material bruto, só da coisa editada.

É a turma criada a leite com pera.

Tudo bem, sem generalizar. Acredito que alguém possa simplesmente preferir a ausência de pelos. Digo PREFERIR.

O que não significa engrossar o coro dos que têm nojinho, nem, tampouco, riscar uma mulher com volumosos pelo pubianos de seu caderninho.
Mas, acredite, caro leitor, há quem o faça.

Esses enjoadinhos do sexo universitário garantem: beleza mesmo é a barriga dividida em gomos.

Jamais aquele pneuzinho delicioso forçosamente escondido por imposição das páginas de revista.

Pneuzinhos sufocados justamente porque suas donas acham, erroneamente, que o mundo é feito apenas de enjoadinhos amantes do sexo universitário.

Feito de pessoas que cravam: bonitas mesmo são as pernas das Panicats.

Não reconheceram ainda a maravilha de uma celulite no lugar certo – ou no lugar errado mesmo – e de uma estria que parece ter sido meticulosamente desenhada por algum artista plástico dionisíaco.

Os amantes universitários são os que até recebem sexo oral, mas não fazem. Têm nojo. “Eu? Colocar a boca? Não sei quem já passou por lá”.

Saem da balada e vão para o motel fazer pose pra transar, imitando filme pornô.

Alguns são capazes até de mostrar que decoraram o texto, soltando falas em inglês.

Sabe aquela coisa de colocar uma mão na cintura, a outra na nuca, e olhar pro espelho, recitando uns “Oh, Yes! Suck me, Bitch”. Então...

Isso, claro, quando transam.

Comum julgarem mais proveitoso colocar para descansar seus lindos músculos e optarem por apresentar, no dia seguinte, o recibo do pagamento da pernoite, prova irrefutável de que saíram da balada com “uma máquina daquelas”.

Eles estão em toda parte, caros leitores e leitoras - seja na academia ou nos comentários da página da Nanda Costa.

É preciso ter cuidado para não aceitar o mundinho artificialmente universitário que tentam nos impor.

Um recanto asséptico, com cheiro de álcool gel, Panicats caindo de árvores e amantes universitários dançando ao som de Luan Santana.

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Desce?

Mal entrei no elevador e o comunicado me chamou a atenção. Era do tamanho de uma folha de papel sulfite e estava ao lado da plaquinha pedindo para eu sorrir, pois estava sendo filmado, e abaixo de uma outra dizendo que, devido à Lei Federal 9294/96, era proibido fumar.
Já vi pedidos absurdos e incompreensíveis naquela parede. O meu preferido era um que alertava para a proibição de se jogar bala chupada no chão do elevador. Bala normal podia. O problema era a bala chupada: já era desaforo.
Mesmo sabendo de todo o potencial daquela parede em ostentar os mais hilários comunicados, me espantei sobremaneira com aquela folha dizendo que – pasmem, senhoras e senhores – era proibido depositar lixo no elevador.
Lixo!
Minha reação imediata foi ironizar, imitando alguns porcos endinheirados, com um: “Como ‘não pode?’ Eu pago uma fortuna de condomínio e não posso nem jogar lixo no elevador?”
Depois, caiu a ficha: isso lá é coisa que se peça?
Então, não seria o caso de avisar também que uma série de outras condutas absurdas são proibidas, como plantar jequitibás ou espalhar explosivos pelo Mesmo – depois, é claro, de verificar se ele, o Mesmo, está no andar?
Pois, infelizmente, concluo que, se pediram, é porque precisa. De certo, nunca ninguém tentou plantar um jequitibá lá dentro. Se tivesse, mais um sulfite decoraria aquelas paredes.
Coincidência ou não, o novo comunicado surge na semana em que o sistema de câmeras andou fora do ar. Período ótimo, aliás, já que não precisávamos mais sorrir, pois não estávamos sendo filmados, mas que nos expôs a esses pequenos crimes condominiais, e também a uma verdade irrefutável e desalentadora: assim como as tartaruguinhas do Projeto Tamar e os presidiários em liberdade condicional, precisamos ser monitorados. Por motivos distintos, mas todos necessitamos de vigilância constante. E não contra os terríveis invasores, mas contra nós mesmos.
Contra o seu Alberto, do 23, por exemplo – principal suspeito de transformar o elevador em lixeira, segundo a loira do 78.  Desconfio que ele até compre sacos diferentes dos que sempre usa, para que ninguém perceba nada. Até consigo vê-lo de madrugada, pijama e toquinha, chamando o elevador e colocando dois sacos lá dentro. Para a transgressão ser completa, penso que ele também acenda um cigarro para desbancar a Lei Federal 9294/96 e, de quebra, jogue no chão um halls chupado, antes de mandar o Mesmo para o subsolo. Tudo com uma tremenda cara feia.
O impacto do comunicado ainda é forte. Trauma recente. Estou tentando me acostumar. Farei o possível para não me espantar quando, em breve, entrar no pequeno quadrado e trombar com uma plaquinha de “É proibido urinar e defecar no elevador”.
Pelo andar da carruagem, não deve faltar muito para isso acontecer. Ate lá, sigo sorrindo, pois as câmeras já voltaram a funcionar e estou, novamente, sendo filmado. Eu, a loira do 78, o seu Alberto e seus sacos de lixo.

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Presentão


- Arruma o chuveiro que eu já fico feliz – disse ela, crente que colocava fim ao meu martírio em busca de um presente de Dia dos Namorados.

De fato, temos um problema que se arrasta já há alguns meses. Tornou-se comum ela ser surpreendida por um jato d’água gelada, certeiramente dirigido às suas costas, um pouco abaixo da nuca, assim que o chuveiro atinge a temperatura ideal. Situação que tende a se agravar com a chegada do inverno. Ela forçará mais o chuveiro e ele responderá com mais água gelada.

Mas, eu me recusava a “dar um jeito no chuveiro” como um presente do Dia dos Namorados. Até porque – e principalmente porque – eu não sei dar um jeito no chuveiro.

- Esse chuveiro tá bom, amor. O que você quer que eu faça?

- Quero que ele não desligue mais no meio do meu banho.

- Posso fazer isso mais pra frente? Aí, agora, te dou um presente mais normal.

- Não quero. Você vai perder tempo e dinheiro comprando o presente mais normal e, depois, não vai conseguir arrumar o chuveiro.

- O problema é que tá muito em cima. Não dá tempo de chamar um eletricista.

Pelo olhar dela, entendi tudo. Algo como “Eu estou te pedindo isso desde o fim do inverno passado”.

Eu precisava mudar de estratégia.

- Da última vez que o eletricista veio aqui, disse que a fiação do apartamento não aguenta chuveiro mais potente que esse. Teria que trocar toda a fiação.

Mantendo o mesmo olhar, ela inclinou um pouco a cabeça para o lado direito, expressão que eu já tinha cadastrado como um silencioso “te vira”.

Papel e caneta nas mãos, fingi que estava anotando e comecei meu monólogo: “trocar fiação, chuveiro novo, mais a mão de obra. Amor, isso vai ficar caro”.

Dessa vez, ela preferiu abaixar a cabeça e responder calmamente.

“Conversa com o proprietário e pede pra ele abater no preço do aluguel”

Eu precisava mudar de tática mesmo, a coisa estava ficando cada vez mais complexa: eletricista, orçamento, fiação, chuveiro, e-mail para o proprietário, resposta do proprietário solicitando outro orçamento...

- Você não acha isso pouco romântico?

- Pouco romântico é receber quase um choque elétrico toda vez que o chuveiro vai ficando quentinho. Você não sabe do que eu te xingo quando isso acontece... Nada romântico.

- Não quer um vestido?

- Não

- Livro

- Não

- Perfume

- Pode ser. Se não arrumar o chuveiro, dá um perfume, porque vou parar de tomar banho.

- Amor... – em tom choroso.

- Que foi?

Pausa dramática. Respirada dramática. Reflexão dramática.

- Acho que não vai dar tempo.

Olhar severo, cabeça inclinada pra direita: “te vira”.

O mesmo eletricista que disse que precisaríamos trocar toda a fiação da casa, dessa vez, foi mais camarada.

- Que nada. O problema aqui é que a água tá descendo com muita pressão. A gente coloca um redutor de pressão e tá tudo certo.

Ensaio uma comemoração.

- Só que não tenho o redutor aqui (...)

Putz.

- (...) Tá no carro...

Ufa...

- (...) que tá na oficina. Mas, amanhã, consigo arrumar isso pra ti.

Esse amanhã, que era pra ser semana passada, será hoje. Espero, pelo menos.

Ele acabou de ligar, disse que acaba um serviço às 18h e passa aqui.

Contagem regressiva.

Até meia-noite ainda é Dia dos Namorados, mas, por via das dúvidas, só pra garantir, assim como quem não quer nada, dei um jeito de perguntar que perfume ela queria.

PS.: Se você achou um absurdo eu não saber colocar um simples redutor de pressão no chuveiro, leia isso aqui.

segunda-feira, 27 de maio de 2013

E agora, José?


Quando eu tinha uns 12 ou 13 anos, tinha um amigo inseparável.

Como acontece com praticamente todos os garotos dessa idade.

Pré-adolescência é um tempo em que as meninas colocam certo medo na gente – e quando isso muda? – e acaba sendo melhor se fechar em grupos de iguais para se tornar menos vulnerável.

Gabriel era o nome do meu fiel escudeiro. O cara resolvia equações de segundo grau com uma facilidade monstruosa.

Bháskara na veia!

Fazíamos uma baita dupla. Ele descobrindo o valor de X e eu copiando o resultado. O que se invertia nas aulas de português e nos fazia procurar um terceiro companheiro nas de biologia.

Até que, um belo dia, ele mudou de escola. Diziam que seria melhor para ele, que poderia estudar mais e participaria até das Olimpíadas de Matemática.

À época, na minha inocência pré-adolescente, não conseguia entender como o fim da nossa dupla poderia ser melhor para alguém.

Como uma manhã de segunda-feira chuvosa com um 4x²+3x+2=0 para resolver sozinho poderia ser algo bom, sob qualquer aspecto.

Há pelo menos dez anos não me lembrava dessa história, mas ela veio à tona novamente, neste fim de semana, com o anúncio da saída de Neymar do time da Vila.

Foi como reviver a despedida do meu inseparável amigo do ginásio. A nossa imbatível dupla desfeita.

Naquele tempo, pensava, frustrado, que ninguém mais seria capaz de recitar fórmulas como se fossem música e teria na ponta da língua o valor de qualquer raiz quadrada que atravessasse o meu caminho.

Assim como hoje tenho a certeza de que ninguém mais pegará a bola no meio do campo, deixará meio time para trás para acabar com o jogo.

As equações de Neymar são mais complexas que as que Gabriel resolvia. As do craque sempre exigiram respostas rápidas e uma impressionante capacidade de improviso, como naqueles três gols em que deixou jogadores rubro-negros e colorados a ver navios no gramado da Vila e levou ao chão os queixos de apaixonados por futebol do mundo inteiro.

Gols que, quando lembro, vejo-os em preto e branco, como vi os de Pelé, infelizmente, só em VT.

Hoje, na minha inocência de quem acabou de entrar na casa dos trinta, também me recuso a compreender de que maneira essa separação pode fazer bem a alguém.

Nunca fui apresentado ao Neymar. No máximo, o vi da arquibancada. Ele não sabe da existência da nossa dupla.

Não sabe que eu torço cada vez que ele pega na bola com a mesma euforia e perplexidade com que vibrava cada vez que Gabriel pegava o lápis e ensaiava aplicar a infalível fórmula naquele abominável X ao quadrado.

Não entendo os santistas que consideram o desfecho da história bom para o Santos.

Nenhum centavo do dinheiro dessa transação vai para o meu bolso, além de não ser garantia nenhuma de que será empregado na montagem de um grande time.

Aquele “Eu vou, mas eu volto”, escrito no vestiário, serve de consolo. O Gabriel eu nunca mais vi. Já o procurei nas redes sociais, mas nada. O Neymar, continuarei acompanhando e torcendo. Torcendo por mais golaços e dribles desconcertantes.

E, principalmente, para que ele volte um dia para resolver umas equações de segundo grau pra gente.

Mas, até lá, teremos de suportar o vazio de não ver mais o craque vestindo o manto sagrado e não mais entortar zagueiros desavisados em nosso santuário particular.

Ao ver o garoto deixando o gramado do Mané Garrincha, ontem, pela última vez com a camisa do Santos, me vieram à cabeça os versos de Drummond. Simples, belos e eficientes, como um bom drible.

“(...)a festa acabou
a luz apagou
o povo sumiu
a noite esfriou

e agora, José? (...)”

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Obrigado, Roberval


Toca o telefone.

- Filho, sabe quem eu encontrei na rua?
- Não.
- Roberval.
- Quem é Roberval, mãe?
- Aquele teu amigo que fez natação contigo.
- Putz, mãe, não lembro.
- Como não? Aquele que era teu amigão. Vocês viviam juntos. Um loirinho, que a irmã fazia balé.
- Ahh... Sei. Legal.
- Ele vai ser pai.
- Legal...
- De novo. É o segundo já. Teve uma menina; agora, parece que é um menino. Vai ficar com um casalzinho.
- Legal...
- E você?
- Eu? To bem...
- Não tem nenhuma novidade pra me contar, não?
- O chuveiro queimou. Tem que trocar a resistência. Sabe se o pai entende disso?
- Você sabe que eu quero ser avó, não sabe?
- Também quero tanta coisa, mãe. Mas a senhora me ensinou que a gente não pode ter tudo nessa vida.
- Lá vem você com esse papo. Olha, eu quero um neto.
- Você já tem dois.
- Aqueles são da tua irmã, quero um da tua parte.
- Aí, já é mais difícil.
- Por quê?
- Primeiro, porque eu não quero.
- Que não quer o quê?! Não sabe o que está falando. Tua mulher vai te dar um pé na bunda.
- Ela também não quer.
- Hahaha... Tá bom... Isso é o que ela diz. TODA mulher quer ser mãe.
- Mãe, eu não sei nem trocar a resistência de um chuveiro. Como posso criar uma criança?
- Mais um motivo pra ela te largar. Não dá um filho pra ela, não troca a resistência do chuveiro...
- Mãe, tenho que voltar ao trabalho. Se não, além de não ter vontade, vai faltar a grana.
- Mas, primeiro, me responde: quando vou ter um neto?
- Mãe, por favor...
- Ela vai te largar. Escuta o que eu to te dizendo. Ela diz que não quer pra não discordar de você.
- Tá bom. Então, se ela mudar de ideia, a gente tem.
- Sabia que o problema era ela! Você sempre quis ter filho. Desde a época que brincava com o Roberval.
- Nem lembro desse cara, mãe.
- Não muda de assunto.
- Olha, mãe, tão ligando aqui.
- Não acredito que vou morrer sem ter um neto. Sem ver a tua carinha de bebê de novo. Você era tão lindo, meu filho. Aquela bochechinha... Tá aí ainda?
- To.
- Mas, ela vai mudar de ideia, viu?! Tenho certeza. O problema é que ela já tá chegando nos 30, né?!
- Não tem problema. Se for o caso, a gente adota.
- O quê? Adota? Por que isso?
- Por que o quê?
- Por que adotar se vocês podem ter um de vocês?
- Mas, o adotivo também vai ser nosso.
- Mas, meu filho... Você tem que deixar suas raízes.
- Que papo é esse de raízes, agora?
- Pensa que um filho teu vai ser igualzinho a você.
- Baixinho, com asma, rinite e miopia?
- Eu fiz o melhor que pude. Bom, quem sou eu pra ficar me metendo na vida de vocês? Vou deixar que vocês resolvam isso sozinhos. Mas, por favor, eu quero um neto.
- Tá bom, tá anotado aqui o teu pedido.
- Vou colocar na agenda o telefone do Roberval. Fiquei de fazer um casaquinho para o menino dele. Vê se liga pra ele, meu filho. A gente não pode se desfazer das nossas amizades assim.
- Tá bom, mãe, eu ligo.
- Beijo, meu filho.
- Mãe...
- Oi?
- Será que o Roberval sabe trocar resistência de chuveiro?

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Pobre Zezé


Em primeiro lugar, preciso dizer que adoro Carnaval. Desde garoto. Sempre me encantaram os sambas, os blocos na rua, a pouca roupa e os quatro dias sem aula, a recolher confetes e serpentinas pelo chão nos bailes matinê.

Mas, não há como fugir, devo confessar que odeio as marchinhas de Carnaval.

Houve um tempo em que eu vibrava, gritando a plenos pulmões “Bicha, bicha”, quando alguém contava a história da cabeleira do Zezé, e fazia coro pedindo sinceridade à Aurora, aquela ingrata.

Mas, de uns tempos pra cá, elas têm me irritado profundamente. São como aquele senhor que repete uma história pela milésima vez, dando sempre a mesma entonação.

É sempre o Zezé, que não sabem se é ou não é, é a menina perdida no deserto do Saara, é a morena que passou perto de mim e que me deixou assim...

Memória afetiva é algo terrível mesmo. Faz com que achemos que uma coisa boa há 40, 50 anos, ainda continue no contexto.

A sequência Me dá um Dinheiro Aí / Mamãe eu Quero / Alalaô /, está para o Carnaval, como Bate o Sino / Noite Feliz / Então, é natal / está para o mês de dezembro.

As machinhas são a Simone do Carnaval!

A culpa, aliás, pode estar aí: no tradicionalismo.

Está na moda ser tradicional. Não há nada mais original do que tentar – ainda que na marra – manter as coisas como sempre foram.

Mesmo o que era ruim, damos um jeito. Pintamos com cores melancólicas que disfarçam qualquer imperfeição e vendemos a história um pouquinho alterada. “Ouvir marchinhas é relembrar a beleza e a inocência dos antigos carnavais”, dizem muitos.

Porque não se renovam, apenas envelhecem, as coisas podem ser chamadas de belas e inocentes? Como um senhor que aprontou todas na juventude e, hoje, se esconde por trás de belos e irretocáveis cabelos brancos.

Pense comigo: em que década, um homem de cabelo comprido era considerado homossexual? 1920, 1930? De lá pra cá, tanta coisa aconteceu: a moda do cabelo curto, do comprido, os carecas passaram a ser charmosos, vieram os Black Powers e houve uma corrida desenfreada pela máquina zero.

Neste início de século, há quem use presilhas, tranças e chuquinhas, e nem por isso leve fama semelhante.

Que inveja teria o tal Zezé...

E o que dizer da preconceituosa “O Teu Cabelo não Nega”?

“Mas, como a cor não pega mulata, mulata eu quero o teu amor”.

Cor não pega, amigão? Por um acaso é doença? Parou no tempo!

São por essas e outras que eu broxo quando começam as sequências de marchinhas. Aproveito para ir ao banheiro, comer alguma coisa e esperar até voltarem a tocar o samba - esse, sim, sempre se renovando, mantendo-se atual, goste você ou não.

Enquanto isso, espero a turma encontrar o saca-rolha, salvar a menina perdida no deserto e terminar o julgamento do Zezé.

Pobre Zezé...

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Para este ano...

  Academia?
- É. O que tem?
- Nada.
- Preciso perder essa barriga.
- Concordo.
- E você?
- Estudar para o concurso.
- Só estudar?
- É.
- Não deveria ser passar no concurso?
- Não. Por que você acha isso?
- É que você devia ir direto para o objetivo final. Essa é que é a resolução. Não interessa muito como você vai fazer para chegar nela.
- Como não? O grande lance é justamente a minha mudança de postura. Vou estudar. O resto é consequência.
- Claro que não. Imagina comig...
- Por um acaso, você colocou perder a barriga?
- Coloquei ‘academia’. É praticamente a mesma coisa.
- Isso se você fosse na academia. O cara tá enriquecendo às tuas custas. Se tá calor, você fica indisposto. Faz frio, dá preguiça. Se tá triste, prefere ficar na cama. Se tá alegre, tem mais o que fazer.
- Exagero. Tenho que ir devagarzinho; no meu ritmo.
- Então, é isso: devagarzinho, no meu ritmo, vou estudar para o concurso. Estudar.
- Não vai colocar o objetivo final mesmo?
- Não.
- Posso ler o meu próximo, então?
- Deve.
- Voltar a jogar futebol.
- Legal.
- Que cara foi essa?
- Nada.
- Como ‘nada’? Eu via a tua cara de ‘que merda’.
- Não fiz cara de ‘que merda’, fiz cara de ‘legal’.
- Legal, que merda.
- Como é que eu vou te dizer isso?
- Sabia que tinha alguma coisa.
- É que é meio besta, não acha?!
- Besta?
- É. Jogar bola. Isso é resolução de Ano-Novo que se apresente?
- Não é jogar bola. É futebol.
- Ahhh, que diferença. Desculpe.
- É que falando só ‘jogar bola’ parece que é uma coisa menor, boba.
- Desculpe se passei essa impressão equivocada de tão nobre resolução de Ano-Novo.
- Você sabe que jogar bola é importante pra mim.
- Bola?
- Futebol.
- Imagino. Importantíssimo.
- Ajuda a perder a barriga.
- Mesmo bebendo 10 cervejas para cada gol perdido?
- Exagero.
- Sem contar que você devia ir direto pro objetivo final. Não é assim que você fala? Devia ter colocado logo: virar um craque e conseguir um contrato milionário.
- Engraçadinha. O que mais você tem anotado aí?
- Decidir se teremos um filho ou não.
- ...
- Tá na hora, não acha?
- ...
- Não vai falar nada?
- É que eu pensei que só valesse resolução individual. Essa é em grupo.
- Grupo, não. Dupla.
- ...
- O que você acha?
- Acho que deveríamos colocar regras mais claras para as próximas resoluções de Ano-Novo.
- Não entendo. Dessa vez, fui direto pro objetivo final.
- ...
- Não era o que você queria?
- ...
- Pulei a parte chata do que precisamos fazer para chegar no objetivo.
- ...
- Não consigo entender os homens. Vocês nunca estão satisfeitos.
- ...
- Nunca sabem o que querem.
- ...
- Fala comigo...
- ...
- ...
- ...
- ...
- Vamos jantar?
- Vamos! Frango e salada?
- Sanduíche!
- E a barriga?
- Amanhã, procuro uma academia.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Sobre cachorros e renas


Festa de fim de ano da escola.

As crianças entoavam uma bela canção natalina quando a gritaria começou:

“Sentai, pô”

“É... Você acha que só você tem filho?”

“É isso aí. Senta, infeliz. Você é folgado pra cacete!”

Impassíveis, as crianças continuavam cantando o amor do natal e as bondades do bom velhinho que, numa linda noite estrelada...

“Vai pro inferno, filho da puta!” – devolveu o primeiro.

“Ah, cala a tua boca aí, ô retardado“ – responderam os outros.

“Um filho feio desse nem merece que você gaste foto com ele. Eu que não deixava o meu subir no palco vestido de viadinho” – apelaram.

Eu assistia a tudo à distância, de um canto estrategicamente escolhido, mais alto que o palco, de onde tentava um lugar ao sol embaixo do sovaco do cinegrafista e por cima do ombro de uma mulher desesperada que sacudia uma criança pelo braço e dizia:

 “Ai, meu Deus, cadê o Arturzinho? O flash tá ligado? Acha o teu irmão...”

“Ele é a rena, mãe?”

“Não, é o ajudante do Papai Noel”

“Mas, eu to vendo ele de rena...”

“Mas, eu paguei a fantasia de ajudante. Era a mais cara de todas! Vai ter briga!”

Ouvia isso e me espremia em um espaço de não mais de dez centímetros para fotografar meus sobrinhos, que eu também não sabia se surgiriam de renas ou de ajudantes do seu Noel.

O que nos chamou a atenção naquele microcamarote, no entanto, foi um verdadeiro show de horrores, que o cinegrafista teve o bom senso de não registrar, afinal de contas, mostrava o ridículo das pessoas que lhe pagariam por aquelas duas horas de gravação trêmula que, fatalmente, sucumbiria numa prateleira qualquer para toda a eternidade.

Lá embaixo:

“É essa a educação que você está dando pro teu filho?” – Atacou o primeiro, que levantou para fotografar o filho vestido de rena.

“Educação é o cacete; Vai te fu...”

“Com um pai desse aí, não me admira que o filho dele seja aquele negócio lá no palco. Olha o tamanho da criança. Deve ser criada à base de cachorro quente. Ele devia ser o Papai Noel, não o ajudante”.

Nessa hora, vi um gorro vermelho e um tênis cruzarem o salão, ataque prontamente respondido com uma varinha dessas de fada madrinha, que não sei o que fazia numa festa de natal, mas que atingiu em cheio a cabeça de uma mulher que nada tinha a ver a história.

E a criançada lá, a plenos pulmões: “Eu pensei que todo mundo fosse filho de papaaaaaaai Nooooooooeeeeel...”

Para muitas delas seria melhor mesmo ser filho do bom velhinho, caso ele existisse. Boa parte, aliás, poderia ser substituída por cachorros.

Se não o são, é porque os sabidos representantes dessa classe média iletrada não percebem nos cães os mesmos reconhecimentos perante a sociedade.

Ser pai dá um ar de responsabilidade que ser dono de um cachorro não dá. Somente por isso, eles insistem em fantasiar seus bebês de estimação e pagar uma escola para ensiná-los a deitar, rolar e dar a patinha durante a festinha de fim de ano.

Não importa se a criança está à vontade ou se chora debaixo de uma fantasia de camurça num calor de 40 graus.

O que importa é a foto!

Ao som do último acorde – como se tivesse sido exaustivamente ensaiado durante as reuniões de pais e mestres – os encrenqueiros desarmaram o circo. Endireitaram as costas, guardaram os gorros e as varinhas de condão, e se dedicaram a palmas efusivas e ritmadas.

Segundos mais tarde, tão logo pisaram fora do palco, as crianças foram guindadas pelas mães até a saída.

Os pais correram em outra direção, para pegar o carro. Não aguentavam ficar mais um segundo que fosse naquele lugar com um bando de gente mal educada.

E eu lá no meu canto, entre o sovaco do cinegrafista e o ombro da desesperada, que, por sinal, não encontrou seu Arturzinho.

Em compensação, fez uma linda sequência de fotos de um ajudante de Papai Noel bem gordinho, provavelmente criado à base de cachorro quente.