terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Ho ho ho

O plano era o seguinte:

- Você sai do apartamento, conta até dez e toca a campainha; Você grita bem alto ”olha o Papai Noel”; e você leva as crianças pro quarto e distrai elas.

- Mas, como? – tentei reagir.

- Te vira – ordenou minha irmã.

Lá fui eu. Distrair dois sobrinhos na noite de Natal. Um casal de gêmeos. Cinco anos e meio. Arrastei a dupla para o quarto, a contragosto, tomando o devido cuidado de deixar a porta aberta para que o som da campainha pudesse ser ouvido.

Antes que eles se perdessem em meio às Barbies e bonecos dos Backyardingans, corri até a janela, fiz minha melhor cara de espanto, e perguntei: “O que é aquilo?”

Os dois vieram meio sem vontade, mais para dar atenção a um tio carente do que por curiosidade própria.

A sobrinha:

- O quê?

Eu:

- Ali, em cima do prédio.

- O que tem?

- Mexeu ali. Um negócio vermelho.

O sobrinho:

- Cê ta maluco, ti...!

Percebi que ele foi interrompido por um cutucão dado pela irmã.

- Aiiii... ela me bateu.

- Bati nada.

Eu, sem dar tempo aos dois:

- Ó lá: mexeu de novo.

Antes que ele dissesse novamente que eu estava maluco, ou vendo coisa, ela gritou:

- Eu vi! Eu vi! O que é aquilo, tio?

- Só pode ser o Papai Noel – garanti.

O menino deu as costas e ameaçou pedir socorro ao Pablo e a Uniqua. Ela o segurou.

A coisa estava demorando. Não é possível que se levasse tanto tempo para sair pela porta da cozinha, jogar os presentes no capacho, tocar a campainha, e alguém gritar a plenos pulmões, no meio da sala: “Olha o Papai Noel!”.

Confesso que a encenação me irritou desde o princípio. Nem só por estar incumbido da parte mais trabalhosa do plano: a de dobrar duas crianças muitas vezes mais espertas do que eu... Mas, por achar uma perda de tempo terrível tentar iniciá-las em tradições impossíveis de se acreditar hoje em dia. Os adultos se esquecem que existe internet. Nenhum Papai Noel consegue se manter intacto no imaginário popular com um computador ligado... Nem morando no Polo Norte.

Percebo alguém entrando no quarto. Minha mãe.

- O que vocês estão fazendo?

Respondi rápido:

- A gente ta vendo uma coisa vermelha num trenó em cima daquele prédio.

- Jura? Meu Deus, que legal!!! Onde está? O que vocês acham que é?

Minha sobrinha:

- Tá ali, vovó... ta vendo?

- Tô, sim... que lindo... É o Papai Noel! Ele veio com as renas! Olha o trenó dele como é bonito!

Enquanto se divertiam com os últimos vestígios do bom velhinho, comecei a perder a paciência. Até que deixei escapar, aos sussurros:

- Mas que demora do cacete. Cadê esse bosta desse Papai Noel?

Imediatamente, senti um misto de cutucão e beliscão:

- Xiii!

Olhei para minha sobrinha, ciente de que acabava de estragar o Natal, xingando um de seus maiores símbolos. Imaginei ela entrando na sala, chorando, dizendo que eu xinguei o Papai Noel de bosta.

Mas, ela simplesmente sussurrou por entre os dentes:

- Tio, cuidado... a vovó ainda acredita nele!

Calei a boca e fixei o olhar no trenó imaginário.

Minha mãe:

- Cê viu, filho? As renas são tão bonitinhas...

Não precisei responder. No mesmo instante, tocaram a campainha e escutei um grito: “Olha o Papai Noel!”.

As crianças respiraram fundo, minha sobrinha me lançou um olhar de cumplicidade, e os dois entraram em cena gritando.