Gruuuuuu... Gruuuuuu...
Este foi o primeiro sinal de que não estávamos sozinhos. E, talvez, significasse um “sejam bem vindos” em pombês ou qualquer que fosse a língua falada pelos pombos.
Não sei quantos são. Só sei que habitam a caixa vazia de ar-condicionado do único quarto do apartamento e que, aos poucos, começam a se adaptar aos hábitos noturnos dos novos inquilinos. Estão sofrendo um pouco, mas irão se acostumar.
Nos primeiros dias, reclamaram bastante do liquidificador batendo às duas da madrugada e da luz ligada no quarto até quase o dia seguinte.
Berraram um ‘gruuu, gruuu’ agressivo, irritado. Pelo tom, pediam que parássemos com aquela barulheira e fossemos dormir, aquilo não era hora...
Lá pelas cinco da manhã, ao apagar a luz, ainda ouvimos um “gruu”, mais curto, rápido e vitorioso, como se o chefe da família dos pombos dissesse “e que isso não se repita!”.
Tenho nojo de pombo.
Lembro, sem nenhuma saudade, das tardes de domingo em que a família inteira ia para a Biquinha, aqui mesmo em São Vicente, para dar milho a essas criaturas.
Na praça, tinha um pombal enorme, parecia um prédio gigante com centenas de janelinhas. Era uma espécie de Copam dos pombos.
Os pais compravam saquinhos de milho dos ambulantes que rondavam a praça e as crianças se divertiam com aquilo. Eu achava nojento.
Mais do que aquelas dezenas de pombos cercando pobres crianças indefesas para reclamar da demora na entrega do milho e tentar roubar o saco inteiro sem mais delongas, eu sentia nojo do “gruuu, gruuu” que eles faziam.
Consegui a indicação de um produto que, aplicado na humilde habitação dos bichos, prende suas patas.
Depois de algum tempo, eles conseguem se soltar, mas ficam tão assustados que não voltam mais.
Fiquei impressionado com a inteligência do bichinho. Basta uma única punição para entenderem que estão errados e desaparecerem.
Um conhecido meu tomou três multas por excesso de velocidade no mesmo lugar. Se fosse um pombo, já teria aprendido.
Ao me ver no telefone, agitado com a pesquisa de preço do tal repelente, minha esposa fez a seguinte pergunta: “Mas pra onde eles vão se saírem dali? Não tem mais árvores por perto. Certamente, vão para outra caixa de ar condicionado ou parapeito de janela...”
É triste a ideia do despejo. Me veio à cabeça um trecho de Saudosa Maloca, os pobres pombos sendo despejados ‘indo pro meio da rua apreciar a demolição’.
Ela ainda deu o tiro de misericórdia no meu instinto exterminador: “eles têm um bebê agora... Ontem, quando abri a janela, ouvi um piadinho”. Pronto... Agora, a coisa ficou complicada.
Cedi... Pensei que poderíamos, então, fazer um teste. Pelo menos, até a criança deles ficar maiorzinha. Além do mais, nunca os vimos, eles ficam do lado de fora, não têm como transmitir doença alguma desse jeito.
Agora, estão lá, naquela espécie de puxadinho de menos de 1m².
Aos poucos, também vou me acostumando com a presença deles.
Já dou até bom dia quando abro a janela. E escuto um sonoro e feliz “gru, gru” como resposta.
Mas, não adianta, se dependerem de milho comprado na Biquinha, podem ter certeza de que vão morrer de fome. Com criança e tudo. E que se contentem em morar de favor na minha caixa de ar condicionado.