segunda-feira, 28 de setembro de 2009

O Fogão Vermelho

Resolvemos comprar um fogão vermelho. Essa foi a primeira decisão importante. A primeira coisa comprada para o apartamento, antes mesmo de alugarmos um.

Vermelho, da Brastemp, antigo e em ótimo estado. Tem aquelas asinhas que todos os fogões antigos têm. Anos 80, acredito. Compramos numa loja de móveis usados da Conselheiro Nébias.

E o que deveria ser um momento de alegria, o de contar a novidade para a família, foi um verdadeiro parto.

Aliás, se disséssemos que um parto iria ocorrer em nove meses, e que o resultado não seria um lindo bebezinho, mas um dinossauro, um ornitorrinco ou qualquer outro absurdo desses, acredito que pessoas como a minha mãe não teriam ficado tão alteradas.

“Como assim? Que absurdo... Um fogão sem temporizador e trava automática que impede a saída do gás? E... e... e... e...

... vermelho??????

Como assim??????"

A lógica familiar: casamento = crediário. Casa nova, coisas novas. Ainda que bregas e compradas nas Casas Bahia, em 100 prestações sem juros (?).

Todos à mesa, ensaiei uma forma de contar. Perguntei se minha mãe gostava de vermelho, depois perguntei se ela gostava de fogão para, só ao fim do almoço, perguntar o que ela achava de um fogão vermelho.

Cara feia, talheres batendo na louça, mão na testa, resmungos de “não acredito!!! vocês não fizeram isso, diz pra mim que não fizeram”.

“Um fogão sem temporizador e trava automática que impede a saída do gás?”

Quando provamos a inutilidade desses recursos para a nossa realidade, veio a dúvida incômoda, como em uma última tentativa de nos mostrar a verdade da vida: “Mas, porque vermelho???”

Conhecidos preferiram manifestar a displicência de quem parece que não ouviu o que você falou: “ah, se você acha legal”.

Outros riram como se tivéssemos contado uma extravagância qualquer. Como se disséssemos que iríamos morar no Pólo Norte. Em seguida, emendaram um: ‘Agora, fala sério, como é o fogão?’

Felizmente, não chegaram ao ponto de perguntar o porquê de comprar um fogão vermelho sem temporizador e trava automática que impede a saída do gás.

Ainda bem. Pessoas que levantam questões objetivas gostam de respostas objetivas. Nunca fui bom nisso.

Não entenderiam se disséssemos um breve e lacônico: “não precisamos de temporizador” ou “o fogão vermelho é lindo”. Não aceitariam um sincero “porque nos apaixonamos por ele” como resposta.

Ao fim do almoço, antes mesmo de recolhermos os pratos, parte do clima familiar já estava restabelecido com a promessa de um delicioso bolo de chocolate feito no forno do nosso primeiro fogão vermelho, que, por sinal, funciona perfeitamente, ao contrário do que muitos queriam acreditar.

Mais tarde, da cozinha, lavando a louça, ainda escutei a voz da minha mãe sussurrando a minha noiva:
“É séria essa história do fogão?”

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

O Dia do Desafio

Depois de assistir a três filmes do Woody Allen e ler a orelha de um livro do Freud, resolvi desafiar minha mãe.

Comecei pelos botões da camisa. Sempre ouvi dizer que deveriam ser abotoados de baixo para cima. Um por um. Se não fosse assim, não ficava direito.

Então, o desafio estava lançado.

Olhei bem para os lados para me certificar de que não seria interrompido.

Um a um, de cima para baixo e não mais de baixo para cima, conforme as instruções maternas.

Primeiro, o botão que fica perto do pescoço. Em seguida, o que fica logo abaixo.

E a cada botão fechado fora de ordem, desafiava as mais de duas décadas de dominação materna e imposição de um rígido controle na arte de abotoar uma camisa. Eu era um verdadeiro Che Guevara do vestuário fazendo a ‘Revolução dos Botões’.

Olhei para o espelho: estava tudo em ordem, no lugar. A camisa não estava torta, eu não estava torto!

E pensar em todo o tempo que segui à risca o ritual sem nunca questioná-lo. Mania estranha essa nossa de continuar fazendo as coisas como sempre foram feitas...

É o caso da famosa história do frango.

O cidadão nunca entendeu por que sua mãe, ao preparar um frango para a refeição, cortava suas asas antes de colocar no forno. Nunca procurou saber, apenas imitava.

Descobriu recentemente: o forno dela era pequeno, não cabia o frango inteiro. “Mas o meu forno é grande. Pra que, então, continuar cortando as asas do pobre animal?” questionou-se, quase em crise existencial.

Mas, voltando à minha saga revolucionária, decidi desmontar outras verdades absolutas de minha infância.

Foi quando chegou o momento de fazer careta e olhar para o vento. Fiz... Nada aconteceu.
Depois, jantei e tomei banho de barriga cheia. Não morri, nem entortei.

Fui ao supermercado sem pentear os cabelos e trouxe as compras sem sacolas.

Sai sem agasalho, esqueci (?) o guarda-chuva, fui ao shopping de boné, misturei cachaça com cerveja.

Exausto, dei-me por satisfeito. Agora, finalmente, havia acertado as contas com minha infância. Uma responsabilidade a menos.

Sei o que minha meia dúzia de leitores deve estar pensando...

E concordo.

Darei um tempo com os filmes do Woody Allen e queimarei as orelhas dos Fróides.

Fiquem tranquilos!