segunda-feira, 20 de junho de 2011

Sobre Santos e Peñarol

Pai,

não sei se você se lembra, mas a primeira vez que entrei em um estádio de futebol foi para assistir a um Santos e Peñarol!

Era pela Supercopa dos Campeões da Libertadores, a Sulamericana dos anos 80.

Não recordo o placar ou o nome de nenhum jogador do Santos naquele ano.

Aliás, não lembro sequer o ano.

Só sei que estava contigo.

Se os pais soubessem a importância disso...

Até hoje, coleciono algumas recordações do ambiente mágico daquela noite.

Fiquei impressionado, por exemplo, com o movimento dos zagueiros quando cabeceavam a bola cruzada na área.

Parecia que o pescoço dava uma volta inteira para rebater a bola.

E tinha a impressão de que eles sorriam quando faziam isso.

Era como se o jogo fosse um teatro feito pra mim. Uma peça que você dirigia cada vez que narrava o jogo e avisava o que estava para acontecer. “Chuta” e o cara chutava. “Toca” e o cara tocava.

Lembro também que tentamos entrar no banheiro.

Que tristeza era o banheiro da Vila Belmiro no final da década de 80, lembra? Dez centímetros de urina cobriam o chão. Sem contar a fila.

Mas, como fazem todos os heróis da nossa infância, você agiu rapidamente, pai.

Comigo sentado em seus ombros e balançando uma bandeirinha de papel, partiu para um bar em frente ao estádio.

Não que fosse mais limpo, mas pelo menos não tinha fila.

Aliviados, entramos novamente no estádio sem precisar pagar outro ingresso. Você explicou a situação ao PM e ele entendeu. Dá pra acreditar?

Tudo isso foi num jogo contra o Peñarol, pai. Esse mesmo Peñarol que vamos enfrentar depois de amanhã e, se ganharmos, seremos tricampeões da América. Percebe a coincidência?

Pelas minhas contas, à época, o tal do Neymar, que tanto falam, nem existia.

Éramos apenas os bicampeões mundiais. E só. Como se fosse pouco...

O problema é que as melhores imagens do nosso time eram em preto e branco. Não o preto e branco do uniforme, mas o das TVs dos anos 60. Precisávamos de replays coloridos.

A cada ano que ficávamos na fila, essa época gloriosa ficava pra trás.

Você lembra, pai, que chamavam a Vila de chiqueirinho?

Talvez, o senhor não se lembre disso tudo.

Uma pena.

Se lembrasse, se emocionaria junto comigo na partida da próxima quarta, contra o mesmo Peñarol, com os times vestindo os mesmos mantos sagrados que transformam simples jogadores em semideuses.

Ficaria emocionado ao recordar do meu sorriso gritando “gol” pela primeira vez e da bandeirinha que nos momentos de tédio eu apoiava em sua cabeça.

É verdade, pai, o pescoço dos zagueiros já não giram com tanta intensidade, com o mesmo vigor, assim como os PMs não compreendem mais com tanta facilidade um pai que corre com seu filho em busca de um banheiro.

As lágrimas emocionadas de quarta-feira, sejam elas de alegria ou de tristeza, certamente fariam o senhor lembrar daquele menino que carregou nos ombros e que, graças àquela noite, se tornou um santista apaixonado por futebol.

Daqui a alguns anos, quando eu levar meu filho à Vila pela primeira vez, também sentado no meu ombro, o guri talvez não sacuda nenhuma bandeirinha.

É provável que vá conectado em alguns desses novos aparelhos eletrônicos. Assim como nós, que entramos no ‘alçapão’ grudados em um radinho de pilha que tinha sido do seu pai.

Em alguns clicks, o guri poderá saber de todos os detalhes desse jogo contra o Peñarol que eu tanto falo, e que não sei exatamente quando foi, nem quanto foi.

E, talvez, daqui a algumas décadas, às vésperas da final de uma Libertadores que trará o tetra, ele vibre com os gols de um craque que ainda nem nasceu e escreva um e-mail pra mim falando do dia em que o levei ao estádio pela primeira vez.