quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Apita, Juiz

Num domingo desses, fui ver uma partida da quarta divisão do Campeonato Paulista. Quarta! São Vicente e Guarulhos.

Fiquei encostado no alambrado, atrás do gol do time adversário. Bem turma do amendoim mesmo. Tinha um senhor do meu lado, comentando uma jogada ou outra. Escanteio. Enquanto o atacante colocava a bola na marca e mirava na cabeça de algum companheiro, vimos o juiz se aproximar. O senhor não pensou duas vezes: “Ô, Juizão, vê se marca um pênalti pra gente aí”. O Juizão olhou na nossa direção e riu.

Na sequência, bola na área e... adivinhem... Pênalti!!! Aquele que ninguém entende muito bem, mas também não reclama. Incrível!

Olhei para aquele velhinho e o vi um lançar um “Obrigado” ao Juizão.

A cena me fez lembrar a primeira vez que fui ao estádio, aos 7, 8 anos, e me impressionei com as ordens que meu pai dava ao juiz.

Santos e Peñarol. Supercopa dos Campeões. “Apita, juiz”, e o juiz apitava. “Corre, juiz”, e o juiz corria. Incrível! Mas, mandar o juiz dar um pênalti, isso meu pai nunca conseguiu.

Só os jogos da quarta divisão mesmo têm dessas coisas. Vi situações estranhas para o futebol atual, como zagueiro batendo tiro-de-meta e mulher de jogador na arquibancada, no meio do povão, gritando “vai, amor!”. Todo mundo se sente mais perto do jogo. Do ‘espetáculo’.

Quando cheguei, recebi um papelzinho com um número. Era o sorteio de uma bola com a assinatura de Neymar, Robinho e Paulo Henrique Ganso, ídolos do Santos. Meu número era 305. Achei aquilo muito engraçado.

Em vez de dar um chutão na bola em direção à arquibancada, tinha um sorteio organizadinho. O vencedor tiraria foto com a musa do time, foto com o presidente, daria entrevista pra TV local.

Assistir a esses campeonatos que beiram o amadorismo é como ver o futebol de décadas atrás, quando as pessoas grudavam radinhos de pilha na orelha.

Por falar em rádio, entrei no estádio aos 10 minutos do primeiro tempo e só consegui escutar o pontapé inicial por uma emissora local. Não no radinho de pilha, claro. Pelo celular.

Aos cinco minutos, o narrador falava de um jogador que pedalou pra cima do zagueiro adversário e arriscou um chute fantástico. O barulho da torcida enlouquecida me deixou com medo.

Pelos gritos, o estádio estava com ‘gente saindo pelo ladrão’, para usar uma gíria do tempo daquele senhor que mandou o Juizão apitar o pênalti.

Ao chegar, vi uma arquibancada cheia de espaços vazios. E os que estavam lá não gritavam “Uuuuh”, “ahhhh” ou aplaudiam enlouquecidamente. O barulho da torcida era gravado. Tudo truque.

Mais decepcionante foi descobrir que até a pedalada que me emocionara minutos atrás também era truque. O jogador passou o pé em cima da bola e caiu, conforme me relatou o companheiro da turma do amendoim, que, por sinal, era muito bom de papo.

Muito empolgado, ele contou toda a trajetória do time no campeonato, falou da carreira de todos os craques do escrete vicentino e só foi interrompido por uma voz no auto-falante: “E a bola vai para o número 305!”.

Pois é, ganhei a bola, tirei foto com a musa, apertei a mão do presidente. Essa diversão toda em plena manhã de domingo.

Se a minha primeira experiência com estádio tivesse sido em um jogo do São Vicente, com direito à bola autografada, e não na Vila Belmiro, talvez, eu nem fosse santista hoje. Mas, certamente, teria uma visão bem mais divertida do futebol. E, quem sabe, até conseguisse dar umas ordens ao Juizão, de vez em quando.

4 comentários:

marcos disse...

Ótima sua crônica! É muito legal torcer para um time que pouca gente torce, pois você se sente um pouco dono. Quando eu vou ver algum jogo da Lusa é esse sentimento que eu tenho.

Anônimo disse...

Moleque, lembra aquele jogo no Mansuetão em que 4 ou 5 torcedores do SV ficavam atrás do gol gritando 90 minutos pro goleiro adversário: "viado!!!", "corno!!!", "filho da puta!!!"? Coisas de 4º Divisão, muito legal. Abraço.
Atila Serdera

André Leite disse...

Belo texto. Sempre assim, as coisas mais simples da vida, são as melhores.

Mas... cadê a foto com a musa do time?

Abraços.

AL

Tiago Almeida disse...

Se tivesse lido sua crônica antes, poderíamos ter estreado seu prêmio no final de semana com uma pelada, apesar de sua musa calunga, pelo visto, ser apenas virtual.

Como dizem mundo afora, ódio eterno ao futebol moderno.

Um abraço.