Quando
eu tinha uns 12 ou 13 anos, tinha um amigo inseparável.
Como acontece com praticamente todos os garotos dessa idade.
Pré-adolescência
é um tempo em que as meninas colocam certo medo na gente – e quando isso muda? –
e acaba sendo melhor se fechar em grupos de iguais para se tornar menos
vulnerável.
Gabriel
era o nome do meu fiel escudeiro. O cara resolvia equações de segundo grau com
uma facilidade monstruosa.
Bháskara
na veia!
Fazíamos
uma baita dupla. Ele descobrindo o valor de X e eu copiando o resultado. O que
se invertia nas aulas de português e nos fazia procurar um terceiro companheiro
nas de biologia.
Até
que, um belo dia, ele mudou de escola. Diziam que seria melhor para ele, que poderia
estudar mais e participaria até das Olimpíadas de Matemática.
À
época, na minha inocência pré-adolescente, não conseguia entender como o fim da
nossa dupla poderia ser melhor para alguém.
Como uma manhã de segunda-feira
chuvosa com um 4x²+3x+2=0 para resolver
sozinho poderia ser algo bom, sob qualquer aspecto.
Há
pelo menos dez anos não me lembrava dessa história, mas ela veio à tona
novamente, neste fim de semana, com o anúncio da saída de Neymar do time da
Vila.
Foi
como reviver a despedida do meu inseparável amigo do ginásio. A nossa imbatível
dupla desfeita.
Naquele
tempo, pensava, frustrado, que ninguém mais seria capaz de recitar fórmulas
como se fossem música e teria na ponta da língua o valor de qualquer raiz
quadrada que atravessasse o meu caminho.
Assim
como hoje tenho a certeza de que ninguém mais pegará a bola no meio do campo,
deixará meio time para trás para acabar com o jogo.
As
equações de Neymar são mais complexas que as que Gabriel resolvia. As do craque
sempre exigiram respostas rápidas e uma impressionante capacidade de improviso,
como naqueles três gols em que deixou jogadores rubro-negros e colorados a ver
navios no gramado da Vila e levou ao chão os queixos de apaixonados por futebol
do mundo inteiro.
Gols
que, quando lembro, vejo-os em preto e branco, como vi os de Pelé,
infelizmente, só em VT.
Hoje,
na minha inocência de quem acabou de entrar na casa dos trinta, também me
recuso a compreender de que maneira essa separação pode fazer bem a alguém.
Nunca
fui apresentado ao Neymar. No máximo, o vi da arquibancada. Ele não sabe da
existência da nossa dupla.
Não
sabe que eu torço cada vez que ele pega na bola com a mesma euforia e
perplexidade com que vibrava cada vez que Gabriel pegava o lápis e ensaiava
aplicar a infalível fórmula naquele abominável X ao quadrado.
Não entendo os santistas que consideram o
desfecho da história bom para o Santos.
Nenhum centavo do
dinheiro dessa transação vai para o meu bolso, além de não ser garantia nenhuma
de que será empregado na montagem de um grande time.
Aquele
“Eu vou, mas eu volto”, escrito no vestiário, serve de consolo. O Gabriel eu
nunca mais vi. Já o procurei nas redes sociais, mas nada. O Neymar, continuarei
acompanhando e torcendo. Torcendo por mais golaços e dribles desconcertantes.
E,
principalmente, para que ele volte um dia para resolver umas equações de
segundo grau pra gente.
Mas,
até lá, teremos de suportar o vazio de não ver
mais o craque vestindo o manto sagrado e não mais entortar zagueiros
desavisados em nosso santuário particular.
Ao
ver o garoto deixando o gramado do Mané Garrincha, ontem, pela última vez com a
camisa do Santos, me vieram à cabeça os versos de Drummond. Simples, belos e
eficientes, como um bom drible.
“(...)a
festa acabou
a
luz apagou
o
povo sumiu
a
noite esfriou
e
agora, José? (...)”
Um comentário:
A euqação que você escreveu aí não tem nenhuma solução no conjunto dos número reais. Será que tb não existe solução pro futebol no nosso atual mundo real?
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