Festa de fim de ano da escola.
As crianças entoavam uma bela canção natalina quando a gritaria começou:
“Sentai, pô”
“É... Você acha que só você tem filho?”
“É isso aí. Senta, infeliz. Você é folgado pra cacete!”
Impassíveis, as crianças continuavam cantando o amor do natal e as
bondades do bom velhinho que, numa linda noite estrelada...
“Vai pro inferno, filho da puta!” – devolveu o primeiro.
“Ah, cala a tua boca aí, ô retardado“ – responderam os outros.
“Um filho feio desse nem merece que você gaste foto com ele. Eu que não
deixava o meu subir no palco vestido de viadinho” – apelaram.
Eu assistia a tudo à distância, de um canto estrategicamente
escolhido, mais alto que o palco, de onde tentava um lugar ao sol embaixo do
sovaco do cinegrafista e por cima do ombro de uma mulher desesperada que sacudia
uma criança pelo braço e dizia:
“Ai, meu Deus, cadê o Arturzinho?
O flash tá ligado? Acha o teu irmão...”
“Ele é a rena, mãe?”
“Não, é o ajudante do Papai Noel”
“Mas, eu to vendo ele de rena...”
“Mas, eu paguei a fantasia de ajudante. Era a mais cara de todas! Vai
ter briga!”
Ouvia isso e me espremia em um espaço de não mais de dez centímetros
para fotografar meus sobrinhos, que eu também não sabia se surgiriam de renas
ou de ajudantes do seu Noel.
O que nos chamou a atenção naquele microcamarote, no entanto, foi um
verdadeiro show de horrores, que o cinegrafista teve o bom senso de não
registrar, afinal de contas, mostrava o ridículo das pessoas que lhe pagariam
por aquelas duas horas de gravação trêmula que, fatalmente, sucumbiria numa
prateleira qualquer para toda a eternidade.
Lá embaixo:
“É essa a educação que você está dando pro teu filho?” – Atacou o primeiro,
que levantou para fotografar o filho vestido de rena.
“Educação é o cacete; Vai te fu...”
“Com um pai desse aí, não me admira que o filho dele seja aquele negócio
lá no palco. Olha o tamanho da criança. Deve ser criada à base de cachorro
quente. Ele devia ser o Papai Noel, não o ajudante”.
Nessa hora, vi um gorro vermelho
e um tênis cruzarem o salão, ataque prontamente respondido com uma varinha
dessas de fada madrinha, que não sei o que fazia numa festa de natal, mas que
atingiu em cheio a cabeça de uma mulher que nada tinha a ver a história.
E a criançada lá, a plenos
pulmões: “Eu pensei que todo mundo fosse filho de papaaaaaaai Nooooooooeeeeel...”
Para muitas delas seria
melhor mesmo ser filho do bom velhinho, caso ele existisse. Boa parte, aliás, poderia
ser substituída por cachorros.
Se não o são, é porque os sabidos representantes dessa classe média iletrada não percebem nos cães os mesmos reconhecimentos perante a sociedade.
Ser pai dá um ar de
responsabilidade que ser dono de um cachorro não dá. Somente por isso, eles
insistem em fantasiar seus bebês de estimação e pagar uma escola para
ensiná-los a deitar, rolar e dar a patinha durante a festinha de fim de ano.
Não importa se a criança
está à vontade ou se chora debaixo de uma fantasia de camurça num calor de 40
graus.
O que importa é a foto!
Ao som do último acorde –
como se tivesse sido exaustivamente ensaiado durante as reuniões de pais e
mestres – os encrenqueiros desarmaram o circo. Endireitaram as costas, guardaram
os gorros e as varinhas de condão, e se dedicaram a palmas efusivas e ritmadas.
Segundos mais tarde, tão
logo pisaram fora do palco, as crianças foram guindadas pelas mães até a saída.
Os pais correram em outra direção, para pegar o carro. Não aguentavam ficar mais um segundo que fosse
naquele lugar com um bando de gente mal educada.
E eu lá no meu canto,
entre o sovaco do cinegrafista e o ombro da desesperada, que, por sinal, não
encontrou seu Arturzinho.
Em compensação, fez uma
linda sequência de fotos de um ajudante de Papai Noel bem gordinho,
provavelmente criado à base de cachorro quente.
2 comentários:
Ah, o espírito de Natal. Que coisa linda! Sempre me emociono.
Tenho um punhado destas filmagens esquecidas pelas gavetas...quem não tem?
Há braços!!
Postar um comentário