Puxando um desses cães que
cabem numa bolsa de madame, cheios de frufru, a mulher não percebeu que tinha
mais gente na praça. Assim que minha cadela viu os dois, no entanto, deu um
tranco na coleira e brotamos na frente da mulher e de seu animalzinho de meio
quilo.
-
Olha, Pierre, chegou a amiguinha. Que bonitinha, bem maior que você. Dá bom dia
pa ela. – Disse a mulher, fazendo voz de criança.
Fiz um comentário qualquer
sobre as orelhas peludas do tal Pierre e da alegria dele ao encontrar outro
cão.
-
Sabe o que é, moço?! É que eu goto de au-au gande.
Eu estava bem-humorado. Resolvi
apostar num diálogo.
-
E essa vira-lata aqui adora esses bichinhos pequenos - retruquei.
-
Que bom, então, moço. A gente vai se dar bem. Cal o seu nome, miguinha?
Pensei em sair andando,
mas os cachorros começaram a se cheirar; ignorei a pergunta, mas ela insistiu:
-
Cal o seu nome, minina?
Aquilo começou a me
irritar. Não era ela quem falava comigo. Era o Pierre. E, pior, com esse
tatibitati terrível.
Já tinha visto essa mulher
na rua, sem o cachorro. Loira, cabelo curto, jeitão de executiva. Falava sobre
o preço do combustível, sobre as chances de ganhar na Mega Sena, sobre o preço
do dólar... Enfim, uma pessoa normal.
Tentei mudar de assunto
rápido.
Apelar para o tempo é sempre uma boa saída.
Apelar para o tempo é sempre uma boa saída.
-
Será que chove hoje?
- Ai,
nem binca, moço. Cando chove, eu num passeio na lua. Adolo passiá na lua, vê
outos au-au.
Antes do final da frase, os
cães começaram a andar em círculo, se cheirando. Fomos girando junto. Uma cena
um tanto ridícula, vista de longe.
De perto, também.
Coleiras enroscadas,
confusão armada, nem assim o Pierre deu espaço para sua dona abrir a boca. Puta
bicho mal educado.
- Ai,
mamãe, me aduda aqui, tá enloscando tudo. Ai, ai, ai...
Mal se viu livre daquela
situação constrangedora, o cãozinho foi até um poste, levantou a pata traseira
o mais alto que pôde e deixou um recado para os outros cães.
Talvez, pedisse socorro.
Algo como “me livrem dessa louca”. Mas, nem pôde se concentrar muito tempo
nessa tarefa. Logo nos primeiros jatos, a mulher gritou:
-
Ai, que xixizão, Pierre. Que xixizão fóte pá se mostrá pros au-au.
Senti vergonha por ela. É
a tal da vergonha alheia, que qualquer adolescente sente 100 vezes por minuto.
Numa última tentativa de
humanizar o diálogo, olhei para a mulher, fazendo de conta que o cachorro
frufru dela não existia, e perguntei:
-
Qual o seu nome?
Para minha surpresa, pela
primeira vez, ela me olhou.
Deu uma risadinha
misteriosa. Fiquei aliviado.
Teria saído do transe?
Caído em si?
Preciso alertá-la que é
muito estranho falar o tempo todo como se fosse um cachorro.
Antes que eu começasse o
meu sermão, ela escancarou a risada:
-
Como assim, moço?! Meu nome é Pierre. Não aquedito que não tinha escutado
ainda. O senhor é muito desatento. Palece que nem tá aqui.
Pensei em latir para
espantar os dois, mas desisti. Talvez, eu tenha rosnado sem perceber.
Imediatamente, vi o Pierre
puxar a coleira e levar sua dona para conhecer outros postes.
E lá se foram os dois, abanando
o rabo. O Pierre e aquele outro bichinho loiro, cabelo curto, com jeitão de
executiva e que, até hoje, não sei o nome.
3 comentários:
Ah, Maykon, seu menininho inocente. Pierre era o nome da 'moça'. Pierre, Maykon, Pierre!
que raiva hein mano! muito bom, abraços.
Ainda abro uma ONG em defesa dos cachorros oprimidos por excessos de cuidados das donas. Artigo 1: dona que fala pelo cachorro está afrontando a sua liberdade de expressão.
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