Desligou o abajur e, assim que colocou a cabeça no
travesseiro, começou:
- Vi uma notícia
no jornal da hora do almoço.
Ninguém responde. Depois de alguns segundos:
- Ouviu o que eu
falei?
- Hã?
- Por que você
tá em silêncio?
- Porque a gente
vai dormir. Ia, pelo menos.
- Vi uma notícia
na TV.
- O que tem?
- Dizia que
acharam uma cápsula do tempo.
- Legal.
- Não quer saber
o que é uma cápsula do tempo?
- O que é uma
cápsula do tempo?
A pergunta soou cínica. Ficaram calados.
- Você podia, pelo
menos, fingir mais interesse nas coisas que eu digo.
E voltaram ao silêncio por mais alguns intermináveis
segundos. Depois:
- Lá em 1800 e
pouco, alguém colocou um monte de coisa em uma caixa e enterrou.
- Hã?
- A cápsula do
tempo.
- O que tem?
- Você não
queria saber o que era? Estou te explicando. É uma caixa com várias coisas
antigas, jornal, moeda, que alguém enterrou lá em 1800 e pouco.
- Ah, tá. Pra
quê?
- Pra alguém
encontrar no futuro.
- Ah, tá. E
encontraram?
- Foi exatamente
essa a notícia que eu vi na TV.
- Coisa mais
besta.
Continuaram deitados de barriga pra cima, como se
estivessem se estudando. Até que ela tomou a iniciativa:
- O que você
colocaria?
- Pode ser
qualquer coisa?
- Sei lá? Acho
que pode.
- É igual aquilo
de “o que você levaria para uma ilha deserta”?
- Claro que não!
Você não vai levar nada. Vai mandar para o futuro.
- Tá bom.
- Quer que eu
repita?
Ele não responde e ela pensa que pode ter sido
estúpida demais. Experimenta:
- Dormiu?
- Não. Tô
pensando.
Ela tem certeza de que é mentira e que, na verdade,
ele ficou irritadinho. Até que escuta:
- A camisa da
Portuguesa!
- Você colocaria
uma camisa da Portuguesa na cápsula do tempo?
- É!
- Por quê?
- Porque sou
torcedor.
- Mas, por que
alguém vai querer saber disso?
- Pra saber que
existiu um time dessa grandeza no passado.
- E que o único
torcedor mandou a camisa pro futuro?
- Boa noite...
- Por quê?
- Você pergunta,
quando eu entro na brincadeira, você não aceita. E ainda tira sarro.
- Não tô tirando
sarro. Só queria saber o porquê de mandar uma camisa da Portuguesa pro futuro.
Mas, tudo bem. Já explicou.
Silêncio profundo. Depois de um tempo:
- Insiste na
camisa da Portuguesa?
- Insisto.
- E o que mais?
- Tem que ter
mais?
- Já que você
quer mandar algo para o futuro, aproveita a viagem.
- Colocaria um
celular.
- Pra quê? Pra
mostrar como os torcedores da Portuguesa se comunicavam em 2012?
- É.
- Muito óbvio.
- Já sei. Eu
colocaria uma foto sua, escrito atrás: “por quê?”
- Por quê?
- Pro pessoal de
Massachusetts estudar esse fenômeno. É impressionante. Tudo você pergunta por
quê!
Ela parece ter sentido o golpe. Levou algum tempo
para se recuperar. Quando conseguiu, veio com essa:
- Não quer saber
o que eu levaria?
- Pode ser.
-‘Pode ser’? Tá
irritado comigo?
- Não. Só estou
ficando com sono.
- Você dormiu à
tarde, não devia estar com sono...
- O que você
levaria? – fala ele rapidamente, para cortar a investida dela.
- Talvez, um
relógio. Um relógio e uma esponja de lavar louça.
- Não acredito
que você contou essa história toda de cápsula do tempo só pra dizer que eu não
lavei a louça do domingo?
- Só? Se você
acha pouco, posso colocar na minha caixa do tempo o pote d’água do cachorro e
uma sacola de lixo.
- Desculpa, eu esqueci...
- Lembrei de outra
coisa que eu colocaria na minha cápsula do tempo. Uma foto sua. Escreveria atrás:
“Esqueci” e “só por isso?”.
- Pra que isso?
- Pra lembrar
pras mulheres do futuro que, no passado, tinha cara folgado assim igual você.
- Como assim?
- Simples assim.
- Mas, em que
futuro?
- Futuro... Pra
frente... Em breve...
- O que você tá
querendo dizer com isso?
- Que, no
futuro, não vai ter mais espaço pra cara folgado igual você.
- Como assim não
vai ter espaço? Por que você tá falando essas coisas? O que você tá querendo
dizer?
- Nossa, quanta
pergunta... Tá me dando um sono danado – termina a frase e ensaia um bocejo.
- Sono por quê?
Não vai me deixar falando sozinho, né?!
Ele adivinhou. Ela se vira para o lado de fora da
cama e ensaia um ronco. Volta, de repente:
- Tava pensando
aqui, podia mandar sua foto pro pessoal de Massachusetts também. Pra eles
estudarem alguns fenômenos como a audição seletiva e o esquecimento temporário.
Antes de ele pensar em responder, ela já ensaiava o
ronco novamente.
Como num suspiro derradeiro, ele tenta a última
cartada:
- Te amo!
Ao que recebe o golpe de misericórdia:
- Por quê?
Nocaute!
4 comentários:
Soube transcrever muito bem o boxe verbal travado nos relacionamentos. O problema desse tipo dea luta é quando não acaba no primeiro round. kkkkkkkkk
A Carol já falou tudo, apesar de que queria ressaltar o final, que foi excelente, inclusive com uma certa crueldade com o cara e tal. Mas enfim, é por essas e outras que eu nunca deixo de lavar a louça, prá esquivar alguns golpes :D
UFC verbal, Caroline.
Há braços!!
Muito boa Maykon. Ri demais...parabens muleque!É bem isso mesmo, impressionante...
Postar um comentário