quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Na dúvida...

Antigamente, as fofoqueiras tinham um perfil bem definido. Viviam em janelas, como se fossem corujas, observando tudo atentamente.

Qualquer ceninha poderia ganhar grandes proporções nas suas histórias. Mas, por mais que acrescentassem trechos de diálogos ou fizessem uma síntese maldosa da situação, na grande maioria dos casos, falavam sobre o que realmente viam de seus quintais.

A fulana de papo com o leiteiro, o rapaz olhando uma moça por cima do muro, uma discussão corriqueira entre dois moradores. Não inventavam, só apresentavam suas próprias conclusões.

A fofoqueira da minha infância era dona Adeilda, uma senhora que vivia pendurada na janela azul de um sobradinho perto da minha casa, atenta a qualquer sinal de notícia. Paparazzi sem câmera.

Dona Adeilda era uma fofoqueira tradicional. Não passava pra frente coisas que não tinham fundamento e que ela mesma não tivesse visto, pelo menos, um indício.

Tudo bem que um “bom dia” podia virar uma cantada aos olhos dela, mas esse negócio de ‘me contaram’ e o ‘ouvi dizer’ não tinham vez.

Havia uma espécie de código de ética entre as fofoqueiras da turma da dona Adeilda. Fofoqueiras, não. Observadoras, elas se auto-proclamavam.

Mas, de uns tempos pra cá, essas donas cotinhas do tempo de nossas avós perderam espaço para os tresloucados do mouse, grupo que tem entre seus principais representantes os encaminhadores de e-mails.

Imagino que, assim como eu, você também deva receba e-mails apelativos com fotos de crianças desaparecidas, doentes em fase terminal, cujos familiares receberão 10 centavos por mensagem encaminhada.

Sem falar nas lendas urbanas mais desconexas que a da loira do banheiro ou a do rim roubado por uma mulher sedutora que circula pela cidade em um conversível vermelho.

As histórias de hoje, que entopem nossas caixas de entrada, não são tão coerentes quanto às da época de dona Adeilda, que eram espalhadas no boca a boca e não podiam apresentar furos.

Ninguém queria ser desmascarado na frente de todos. Hoje, como a coisa vai por e-mail, ninguém está nem aí pros absurdos que espalha.

Recentemente, perguntei para uma pessoa sobre a terrível história que ela tinha encaminhado. Uma mãe que deixava seu filho ir ao banheiro de um shopping e, depois de uns minutos, descobria que ele tinha sido violentado e estrangulado. Morto com um rolo de papel higiênico na boca.

Abismada, a fofoqueira virtual me respondeu:

“Nossa, era isso? Desculpa, nem li”

Como “não leu”???

Dona Adeilda não admitiria isso. Estava em jogo sua moral de maior observadora do bairro.

Tão terrível quanto não ler, é ler, encaminhar, e escrever no corpo do e-mail: “Não sei se é verdade, mas, na dúvida...”

Na dúvida, não passa, diria a fofoqueira da minha infância.

Que lógica é essa de que, na dúvida, eu difamo?, na dúvida, eu digo que tem criança precisando de rim?

Agora, tudo quanto é piada que circula na rede é do Luis Fernando Veríssimo. E-mails com conteúdo político (quase sempre preconceituoso e agressivo) creditam ao Arnaldo Jabor.

Poeminhas imbecis e vazios falando do valor do amor, cada verso copiado de um blog adolescente, ganham a assinatura de um Mário Quintana ou um Drummond. No final do e-mail, sempre o aviso: “Não sei se é dele mesmo, mas, na dúvida...”

Isso sem falar nas baixarias da reta final das eleições, que, na dúvida, muita gente passou pra frente e, talvez, merecessem um texto exclusivo.

Ah, dona Adeilda... Bons tempos aqueles em que sua turma fazia uma investigação quase jornalística para desvendar os olhares entre o leiteiro e a mulher do açougueiro. Não podia restar dúvida.

O que faria a senhora se ainda estivesse por aqui, atenta e imponente, do alto da janela azul de seu sobrado?

Posso até vê-la desiludida, balançando a cabeleira lilás e abandonando seu posto de observação para procurar algo útil para fazer. Preparar o jantar, varrer o quintal, ou até tirar um cochilo. Mas, encaminhar e-mails sem ler, isso, dona Adeilda, tenho certeza que a senhora não faria.

5 comentários:

Alciana Paulino disse...

Os cronistas, blogueiros e tals são muito mais fofoqueiros do que as inocentes transmissoras de mensagens, ppts etc.

Quem é vc, Maycon? Um observador?

Maykon disse...

A fofoca é o caminho natural da observação. Sou um fofoqueiro à moda antiga, como era a saudosa dona Adeilda. Mesmo gostando de uma boa história sobre a vida dos outros, se há dúvida, eu deleto.
Bjo!

Caroline Prado disse...

É com muito prazer que leio mais um texto desse meu amigo. Já estava me sentindo órfã de seu blog. Continue escrevendo sempre! Simples e genial.

Tiago disse...

A internet precisa de mais donas Adeildas.

Abraços

Delafonte disse...

Rapaz, pensa bem. Quem ainda tem aquele espírito de comunidade? As fofoqueiras. É fato!

A gente vive numa sociedade individualista. Levantamos os muros das casas, botamos cerca elétrica, e tal. Quem ainda fica com sua cadeira de balanço na calçada? Quem fica de olho na rua o dia inteiro? Que vai avisar o vigia dorminhoco que tem um elemento estranho rondando o conjunto? Quem vai dizer que o vizinho fulano de tal disse outro falou que ia se matar? Quem ainda se importa de alguma maneira, ainda que distorcida, com a comunidade? Quem vai tar ali pra pegar teu filho que bateu com o nariz no chão e levar pro hospital
quando todo mundo estiver trabalhando?

Cadê o sentido de comunidade? Aliás comunidade é coisa de pobre. Quem quer dizer que vive numa comunidade. Comunidade pra rico só se for no orkut.