“Mas, ele faz o lanche sem luvas?”
Confesso que nunca tinha reparado que o melhor sanduíche da cidade era preparado por um chinês sem luvas. E, não fosse a intervenção de um enxerido, que eu levava para conhecer o lugar, acho que jamais teria reparado.
Saia justa. Não sabia se deveria falar “nossa, como eu nunca percebi isso”, levantar e ir embora, ou se devia ignorar a observação do intrometido amigo e devorar o meu Kanguru, como é chamado o sanduíche com dois hambúrgueres servido no sujinho.
Escolhi a segunda opção. Comi sob incômodos olhares incrédulos.
E, por incrível que pareça, passei mal.
Em mais de 15 anos, nunca havia me acontecido nada, embora a mão do chapeiro fosse a mesma. E sempre sem luvas.
Mas, bastou alguém levantar a suspeita de que o tempero que deixava o sanduíche delicioso estivesse nas unhas do china para acontecer isso.
Longe de mim discordar da vigilância sanitária, mas não há como negar que há um forte fator psicológico nisso tudo.
Se você acha que não, me explique por que, então, os doces da praça da Biquinha - a mesma Biquinha do Copam dos pombos - ficaram tão sem graça depois que deixaram a coisa mais limpinha?
Antes, os doces eram colocados em velhas tábuas de madeira, cobertas apenas por uma toalha de redinha supostamente branca. Vinha gente de tudo quanto era canto de São Paulo para comer aqueles doces. O negócio ficou famoso e quiseram deixar tudo bonitinho.
Hoje, os doces estão lá: lindos, em estufas, dentro de boxes limpos e bem organizados, com funcionários que usam luvas e toucas, e...
...como era de se esperar, perderam a graça. O gosto é outro. Inexplicável. Igual ao Kanguru, que passou a me fazer mal quando vi que o china não usava luvas. Tudo psicológico.
Por mais que eu goste dos sujinhos, também tenho algumas más recordações. Como no dia em que pedi um X-Salada e fui alertado que a salada tinha acabado.
“Vai sem salada mesmo”
Dez minutos depois, sanduíche pronto para ser levado à mesa, ergue-se uma mão detrás do balcão balançando uma folha de alface encardida retirada sabe-se lá de onde.
“Achei, achei o alface, moço. Pode colocar?”
Por essas e outras, não defendo aqui o “abaixo à limpeza na cozinha”. Nada disso. Não quero ter nenhuma intoxicação.
Mas, é que tem coisas que, de tão limpinhas, perdem a graça. Vai dizer que você nunca teve vontade de comer um pastel de feira, aquele que pinga óleo pelas beiradas?!
Acho, inclusive, que o gosto está naquele óleo. Tentei comer uma versão light, feita com óleo de girassol. Pastel sequinho e sem gosto.
E o yakissoba que milhares de pessoas comem no meio da rua, no centro de São Paulo. Vá preparar ele em uma cozinha totalmente desinfetada pra você ver.
E o que dizer do churrasquinho Grego? Prepare em casa e verá que nunca terá o mesmo gosto.
Assim como o misto quente do boteco, aquele que só fica bom no final do dia, quando a chapa conta com vestígios de ovo, bife, calabresa, bacon... Você pede misto quente e vem praticamente um X-Tudo.
O fato é que, agora, para comer meu Kanguru sem passar mal o melhor mesmo será fazê-lo em casa. A menos que eu queira arriscar e encarar novamente as mãos empesteadas de bactérias do chinês.
Posso também achar outro bar. De preferência, um que tenha a cozinha bem fechada e eu não veja as barbaridades que se faz lá dentro. Tomando sempre o devido cuidado de evitar saladas e amigos intrometidos que bisbilhotam o trabalho de chapeiros inocentes.
7 comentários:
É melhor rever suas companhias. Se um cara fizesse esse tipo de comentário pra mim, cortaria a amizade com ele no ato.
Forte abraço!
Lembrei do "Pé-sujo", um bar de um chinês no Centro em que o pessoal do Correio ia. Os copos vinham com as digitais do China gravadas com a oleosidade de sua mão, ele atendia os clientes e pegava o dinheiro ao mesmo tempo, uma beleza. Teve um dia que um amigo pediu um paninho pra passar na mesa, o pano estava encardido e gosmento, e foi devolvido sem o propósito a que veio. E o dono era amigo de todo mundo, nunca reclamamos por isso. O bar foi vendido e reformado (e limpado também) e nunca mais nós fomos. Perdeu a graça. Abraço.
Quem nunca comeu num sujinho não viveu - embora alguns que comeram realmente e não viveram prá contar história depois.
Como sou pai, tenho que repensar esses meus conceitos, mas deixarei prá pensar nisso quando o garoto for adolescente.
Em tempo, um alerta mais que uma crítica, os textos est4ao cada vez mais longos. Continuam mantendo um nível de interesse legal, mas seria legal não deixar a coisa descambar - aliás no meu próprio blogue eu reparei que estou caindo na mesma armadilha.
... o resto é silêncio!
Ps.: viu que, com esse, até durante o apagão o teu blogue conseguiu receber um comentário, nem o Juca Kfouri conseguiu isso!!!
Ah... o que seria da comida sem esse tempero mágico.
Tantos bons momentos passamos nestes lugares... valeram muito mais do que qualquer enventual indigestão.
Como no lanche da Suzy, em frente ao ABC... um X-qq coisa engordurado, com batatas por cima... e nada de batata palha, eram daquelas gordas, tradicionais, tipo as que você faz em casa... sai cada uma de um tamanho e tudo escorrendo óleo... vinham cuidadosamente colocadas, decorando aquela mistura indecifrável entre os pães...
ví o link do seu blog num comenbtário do blog do Domingos Oliveira, resolví acessar, afinal um cara que gosta do domingos deve ter algo de interessante em sí.
Gostei muito do texto sujinho, tudo é mesmo psicológico, como sou adépta da filosofia de que o que não mata egngorda virei também adépta das comidas sujinhas, mas um dia eu tomo jeito e obedeço a minha nutricioista.
Cara estou me deliciando com suas cronicas, todas são ótimas.
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