segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Câmbio, Silêncio

A coisa acontece mais ou menos assim: de um silêncio profundo, surge um incômodo e ensurdecedor

“PRIIIIIIIIIIIIIIIIIIII”

Uma pessoa leva a mão ao bolso, saca um maldito aparelhinho de rádio, aperta um botão na parte lateral, aponta para a boca e:

“FAAAAAAAAAAAAAAALA, FULANO, E AÍ?”

Em seguida, dá gargalhadas, grita, solta piadinhas infames... tudo sem a menor cerimônia, para todos ouvirem, como se estivesse em sua sala de estar.

Desde que esses malditos rádios se espalharam pela cidade – pelo estado, quiça pelo país inteiro -, oferecendo descontos e planos gratuitos de chamadas entre eles, frases como “Paulinho, seu merda, por que você não foi ontem?” e “Peguei a bêbada da Flavinha”, são ditas sem nenhuma cerimônia.

Ficamos íntimos de algumas pessoas que não gostaríamos nem de olhar.

Já descobri, por exemplo, que o Renato pegou a Paula, que o Jorge saiu travado da festa da Fernanda e que depois bateu o carro.

Acabo de descobrir, inclusive, que esse gordo que, com uma mão tenta se equilibrar dentro do ônibus e com a outra aperta o botão lateral do radio, brigou com a mulher e que desconfia que a ‘vaca tem outro’, como ele mesmo conta e, depois, explode numa sonora e imoral gargalhada.
Pessoas sem bom senso sempre existiram e, antes, berravam nos celulares e até nos orelhões. O problema é que com os radinhos em viva-voz ouvimos também o outro lado, a parte que faltava. Temos o diálogo completo. O que, na maioria das vezes, é desesperador.

Os cenários para essas conversas são os mais variados possíveis: ônibus, mercado, igreja, restaurante...

Conheço um camarada que foi ao velório do chefe e atendeu ao rádio. Quando sussurrou ao amigo onde estava, ouviu-o berrar em alto e bom som, a plenos pulmões: “e o safado morreu de que?”. Talvez, até o morto tenha olhado pra ele. Constrangimento total.

Sempre me questionei por que as pessoas que gostam das piores músicas têm os rádios mais potentes – ou, pelo menos, são os que querem testar toda a capacidade das caixas acústicas de seus carros. Agora, me pergunto por que os diálogos gritados no viva-voz são protagonizados por pessoas que só falam besteira. Talvez, a explicação seja a mesma.

Quem sabe uma tentativa de fazer com que os outros participem da sua vida. Saibam dela, dêem palpite. Mais ou menos como fazem com os artistas, personagens de novela...

Por um tempo, acreditei que não havia uma versão silenciosa desses rádios. Que aquele “Priii”, seguido pelas piadas infames em voz alta era a única forma de se comunicar nessas pragas.

Mas, fiquei espantado dia desses ao descobrir que existe um botão que deixa o bichinho silencioso. Ou seja, fazem isso de caso pensado. Fico imaginando o camarada gordo saindo de casa e combinando com alguém para o chamar no rádio daqui a 15 minutos. É o horário exato em que ele estará no ônibus - ou melhor, no busão – se segurando em uma barra de ferro com uma mão e com a outra apertando o botão e contando quem estava bêbado na festa da Carlinha.

Da próxima vez, prometo que, para suprir a carência, faço um comentário elogioso sobre as roupas do gordo fofoqueiro que foi traído pela vaca.

Mas, para isso, por favor, moço, coloque esse rádio no silencioso. Preciso pensar na minha vida.
Câmbio, desligo.

4 comentários:

Andressa disse...

Pois é... E como se não bastasse, com a invenção do celular-faz-tudo, ainda há aqueles que querem compartilhar seu péssimo gosto musical com os demais. Aí ficamos lá, impacientes, torcendo para que o dito cujo desça no próximo ponto de ônibus. Enquanto isso não acontece, dá tempo até de decorar o refrão do pancadão!
Putz, pu putz...
Adorei 'Câmbio, Silêncio'!!

Roberto Feliciano disse...

Odeio esses malditos radinhos. Achava que era só eu, o ranzinza oficial da turma. Abraço

Débora disse...

Em poucas linhas você citou duas das coisas mais abomináveis dos últimos tempos: radinhos irritantes alertando que a periguete tá atrasada pra reunião pq tava com o Ricardão e música de péssima qualidade em alto e bom som nos diversos meios de transporte coletivos. Como eu tb sou a mais rabugenta lá do trabalho, achei que só eu ficava muito puta com isso. Não dá vontade de partir pra ignorância e começar a xingar o desinfeliz?

Victor Farinelli disse...

Concordo, com você, e ademais acho que também o orkut, o facebook, o twitter e quejandos servem pro mesmo, prás pessoas vomitarem suas intimidades seletiva e voluntariamente, embora esses com a vantagem de estar disponível apenas aos que buscam, seletiva e voluntariamente, se meter na intimidade exposta dos demais.