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Arruma o chuveiro que eu já fico feliz – disse ela, crente que colocava fim ao
meu martírio em busca de um presente de Dia dos Namorados.
De
fato, temos um problema que se arrasta já há alguns meses. Tornou-se comum
ela ser surpreendida por um jato d’água gelada, certeiramente dirigido às suas costas,
um pouco abaixo da nuca, assim que o chuveiro atinge a temperatura ideal. Situação que tende a se agravar com a chegada do inverno. Ela forçará mais o chuveiro e ele
responderá com mais água gelada.
Mas,
eu me recusava a “dar um jeito no chuveiro” como um presente do Dia dos
Namorados. Até porque – e principalmente porque – eu não sei dar um jeito no
chuveiro.
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Esse chuveiro tá bom, amor. O que você quer que eu faça?
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Quero que ele não desligue mais no meio do meu banho.
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Posso fazer isso mais pra frente? Aí, agora, te dou um presente mais normal.
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Não quero. Você vai perder tempo e dinheiro comprando o presente mais normal e,
depois, não vai conseguir arrumar o chuveiro.
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O problema é que tá muito em cima. Não dá tempo de chamar um eletricista.
Pelo
olhar dela, entendi tudo. Algo como “Eu estou te pedindo isso desde o fim do
inverno passado”.
Eu
precisava mudar de estratégia.
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Da última vez que o eletricista veio aqui, disse que a fiação do apartamento não
aguenta chuveiro mais potente que esse. Teria que trocar toda a fiação.
Mantendo
o mesmo olhar, ela inclinou um pouco a cabeça para o lado direito, expressão
que eu já tinha cadastrado como um silencioso “te vira”.
Papel
e caneta nas mãos, fingi que estava anotando e comecei meu monólogo: “trocar
fiação, chuveiro novo, mais a mão de obra. Amor, isso vai ficar caro”.
Dessa
vez, ela preferiu abaixar a cabeça e responder calmamente.
“Conversa
com o proprietário e pede pra ele abater no preço do aluguel”
Eu
precisava mudar de tática mesmo, a coisa estava ficando cada vez mais complexa:
eletricista, orçamento, fiação, chuveiro, e-mail para o proprietário, resposta
do proprietário solicitando outro orçamento...
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Você não acha isso pouco romântico?
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Pouco romântico é receber quase um choque elétrico toda vez que o chuveiro vai
ficando quentinho. Você não sabe do que eu te xingo quando isso acontece... Nada
romântico.
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Não quer um vestido?
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Não
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Livro
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Não
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Perfume
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Pode ser. Se não arrumar o chuveiro, dá um perfume, porque vou parar de tomar
banho.
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Amor... – em tom choroso.
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Que foi?
Pausa
dramática. Respirada dramática. Reflexão dramática.
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Acho que não vai dar tempo.
Olhar
severo, cabeça inclinada pra direita: “te vira”.
O
mesmo eletricista que disse que precisaríamos trocar toda a fiação da casa,
dessa vez, foi mais camarada.
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Que nada. O problema aqui é que a água tá descendo com muita pressão. A gente
coloca um redutor de pressão e tá tudo certo.
Ensaio
uma comemoração.
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Só que não tenho o redutor aqui (...)
Putz.
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(...) Tá no carro...
Ufa...
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(...) que tá na oficina. Mas, amanhã, consigo arrumar isso pra ti.
Esse
amanhã, que era pra ser semana passada, será hoje. Espero, pelo menos.
Ele
acabou de ligar, disse que acaba um serviço às 18h e passa aqui.
Contagem
regressiva.
PS.: Se
você achou um absurdo eu não saber colocar um simples redutor de pressão no
chuveiro, leia isso aqui.